Arquivo mensal: outubro 2011

A negligência da comunidade científica e os abusos pseudo-científicos

Por Daniel Neves Micha

Caros colegas físicos do Brasil

Vimos presenciando na mídia de massa uma banalização dos assuntos relacionados à física e às ciências em geral. Comumente, vemos e ouvimos alguém falar da ligação da física (em especial a quântica) com a medicina (cura quântica), com as religiões, com a espiritualidade, etc. Recentemente, tivemos alguns exemplos frustrantes sendo explorados: o filme “Quem somos nós”, que relaciona (erroneamente) diversos conceitos do universo quântico com a física do nosso dia-a-dia; o livro “O segredo”, que, de acordo com a autora, “cada um contém uma força magnética dentro de si mais poderosa do que qualquer coisa neste mundo emitida por seus pensamentos” e, com isso, afirma que pode atrair coisas boas; as pulseiras “Power Balance”, que promete efeitos bioquânticos para gerar “aperfeiçoamento do equilíbrio, ampliação da força central, aumento do alcance dos movimentos e bem estar total” (retirado do panfleto do produto); dentre outros exemplos que poderia citar. Sei que, hoje, com todo o conhecimento que temos, não conseguimos, de fato, refutar todos os argumentos colocados, principalmente pela maioria se tratar de assuntos metafísicos (que, na verdade, não estamos tão interessados em tratar). Mas, sabemos o que não pode ser e podemos ajudar a desmistificar alguns desses absurdos.

Apenas a titulo de informação, uma medida recente tomada pela ANVISA foi proibir a comercialização de 9 nove medicamentos fitoterápicos. Nas bulas e caixas dos remédios deste tipo que ainda não foram comprovados experimentalmente vem um aviso: “PRODUTO EM ESTUDO PARA AVALIAÇÃO CIENTÍFICA DAS INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS E DA TOXIDADE. O USO DESTE PRODUTO ESTÁ BASEADO EM INDICAÇÕES TRADICIONAIS”.

A consequência dessas práticas é que o povo, em sua esmagadora maioria, leigo no assunto, compra as idéias (e os produtos gerados dessas) e solidifica esses conceitos na cabeça. Isso é inevitável, uma vez que o ser humano é curioso e ávido por explicações. Daí, quando alguém com formação e experiência comprovadas no assunto tenta dizer o contrário explicando os conceitos da forma correta, já é tarde, pois ninguém mais acredita (vivi e convivi com essas experiências). Nossa sociedade está alheia à natureza à sua volta e à toda a tecnologia que está em seus bolsos e lares.

No meu ponto de vista, a culpa desses desentendimentos não é da sociedade (leiga). A má fé de alguns grupos de empresários que se aproveitam da ignorância para “fazer” dinheiro (às vezes até inconscientemente) contribui para essa alienação, mas acredito que grande parte dessa responsabilidade é dos profissionais que de certa forma detêm esses conhecimentos, ou seja, NÓS.

De que forma será que podemos contribuir para transformar essa realidade? Publicando artigos em revistas de reduzido acesso? Mantendo as informações sobre nossas pesquisas nos grupos de trabalho dos quais fazemos parte? Endosso a importância dessas atividades no meio científico, mas, de alguma maneira, precisamos deixar isso “vazar” de nossos nichos, dar acesso a todos. Como? Procurando e se deixando encontrar nos meios de comunicação vigentes. Mandar cartas aos editores das colunas científicas dos jornais, entrar em contato com jornalistas para dar entrevistas (deu certo com nosso grupo), fazer palestras para qualquer audiência (de qualquer idade) em locais públicos ou de fácil acesso e divulgação, etc. Enfim, correr atrás de retornar para a sociedade tudo aquilo que adquirimos com nosso tempo de experiência é parte de nosso dever.

Vamos lá, façamos nossa parte!

Atenciosamente,

Daniel Neves Micha
Professor do curso de licenciatura em física do CEFET/RJ Campus Petrópolis
Doutorando em física pela UFRJ
Integrante do INCT de Nanodispositivos Semicondutores (DISSE)

http://www.sbf1.sbfisica.org.br/boletim1/msg239.htm

Agradecimentos ao Flávio Augusto José (Flávio Buzina), membro da nossa lista de discussão, por nos ter enviado, em primeira mão, esse artigo.

Por que acreditamos em elétrons, e não em fadas?

Ninguém até hoje conseguiu observar diretamente elétrons ou fadas. Ambos são construtos teóricos, úteis para explicar observações que podem ser difíceis de serem explicados de outro modo. A “teoria das fadas” pode explicar mais coisas que a “teoria dos eletrons”. Então por que acreditamos em elétrons, mas não em fadas?

Isso é um assunto político? Fãs dos “elétrons” conseguiram maioria de voto no século XIX, então os fãs de “fadas” foram perseguidos e desacreditados no século XX, ou provamos realmente que as fadas não existem?

Não, para ambos. A real diferença é que para os elétrons acumulamos uma coleção de regras pequenas e específicas sobre como se comportam sob certas circunstâncias. Essas regras nos permitem fazer previsões muito específicas sobre o comportamento do elétron, e sobre o resultado dessas observações. Se essas predições não são verdadeiras sabemos que não ajustamos corretamente as circustâncias ou há algo errado com as regras. Mas por muitas décadas consertamos repetidamente os problemas encontrados nas regras, logo podemos fazer predicões realmente boas sobre os elétrons, especialmente em certas circunstâncias altamente complexas (ex: circuitos).

Fadas são muito mais arbitrárias. Uma fada sabe o que tem de ser feito. Não pudemos encontrar nenhuma regra útil para predizer como uma fada irá se comportar em determinadas circunstâncias, ou até mesmo nos informar quando uma fada estará envolvida numa observação em particular (ao menos não conheço nenhuma dessas regras. Por muitas, muitas décadas não foi possível, aos humanos, testar um conjunto razoável de regras de previsões de fadas, ou encontrar onde estão os erros dessas regras e substitui-los por um conjunto melhor de regras.

É possível que as fadas realmente existam. Mas a teoria dos elétrons possuem um sucesso infinitamente maior devido às suas previsões testáveis. Como não se pode fazer previsões testáveis sobre a teoria das fadas, não se obteve o mesmo processo de melhora e correção da teoria dos elétrons. Logo, temos lâmpadas e microprocessadores e a internet, tudo baseado nos elétrons, e nenhum processador baseado nas fadas.

O método científico é um processo incrível para melhorar e ajustar certos tipos de teorias: aquelas em que há previsões testáveis. Uma teoria que não se pode fazer previsões testáveis pode ainda ser verdadeira, mas não participa do método científico (há pessoas que acreditam que somente verdades são verdades científicas, mas isso é essencialmente uma fé religiosa individual).

A teoria da evolução é uma teoria científica, pois implica num amplo número de afirmações específicas testáveis. As regras específicas que levam às previsões testáveis têm sido testadas, modificadas e refindas por muitas décadas (quase do mesmo modo que a teoria dos elétrons). Versões mais simples das regras para a evolução têm sido testadas e refutadas desde muito tempo, e substituídas por outras regras melhores e mais específicas, assim como para os elétrons. Temos tanta confiança na teoria da evolução como se estivéssemos falando da teoria dos elétrons.

A teoria do design inteligente pode ser verdadeira. O mundo biológico é algo maravilhoso, com uma complexidade verdadeiramente incrível. A teoria da evolução admite certa aleatoriedade na geração de mutações. Se o Designer da teoria do design inteligente pode influenciar esses processos aleatórios, então talvez ambas teorias podem ser verdadeiras simultaneamente. Mas a teoria do design inteligente não possui previsões testáveis, assim como a teoria das fadas. O Designer faz aquilo que Ele faz por Ele decide fazer, não porque Ele está sujeito a regras (ver Matheus 4:5-7).

O método científico é o conjunto do enorme intelecto da raça humana. Todos os cidadãos devem entender o que ele pode ou não fazer, e todas as crianças devem aprender a gostar e admirá-lo. É importante para elas entender porque a teoria dos elétrons é uma teoria científica, enquanto a teoria das fadas não. Do mesmo modo, é claro, entre a teoria da evolução e do design inteligente.

No debate entre a evolução e o design inteligente acredito que nós, cientistas, estamos perdendo uma oportunidade importante para educar as pessoas sobre a diferença entre a “verdade”e a “verdade científica”. Há um papel claramente importante da sociedade para a fé em relação a verdades que não são cientificamente testáveis. Mas nós e nossas crianças precisamos entender e respeitar essa diferença.

Ateísmo é religião também!

Enquanto alguém de um lado dessa controvérsia vem de uma educação religiosa fundamentalista, há cientistas do outro lado que perseguem uma crença essencialmente religiosa de que “não há Designer.” A Lâmina de Occam é uma ferramenta útil para os conselhos práticos sobre a preferência por teorias mais simples, mas não contém nada mais empírico que o Credo dos Apóstolos.

Um defensor do Design Inteligente forneceu as seguintes frases provindas de biólogos especialistas em evolução:

  • “O homem é resultado de processos naturais e sem propósito, cujos processos não o levam em consideração” (George Gaylor Simpson, The Meaning of Evolution);
  • “Se a humanidade evoluiu pela seleção natural de Darwin, a aleatoriedade genética e a necessidade ambiental, não Deus, criam as espécies” (Edwar O. Wilson, On Human Nature);
  • “Através do pareamente sem orientação, das variações cegas e sem objetivo, dos processos indiferentes de seleção natural, Darwin fez das explicações teológicas e espirituais da vida processos supérfluos (Douglas Futuyma, Evolutionary Biology).

Essas não são conclusões científicas. Essas são afirmações de crenças pessoais sinceras feitas pelos autores, os quais duvidam fortemente que suas crenças sejam consistentes com suas experiências como cientistas. Mas são necessariamente locuções de fé, e estão àparte no texto.

Por outro lado, os cientistas em geral são muito cuidadosos em evitar criar afirmações religosas (incluindo-se ateísta) no contexto científico. Os livros de Simpson e Wilson são amostras de opiniões, não livros-textos, logo, a expressão da fé pessoal são apropriadas. O livro de Futuyma é uma referência em sua área, mas a citação acima não aparece na edição corrente (terceira edição).

Há um amplo consenso que os livros-texto de biologia evolutiva argumentem contra o cristianismo ou contra a própria religião em geral. Porém há refutações claras.

Ensinando uma melhor ciência

Em nossa sociedade pluralística algumas pessoas acreditam em Deus ou na ausência de qualquer Deus (ambas posições baseadas na fé), enquanto algumas pessoas não sabem e não se importam. Em nossa sociedade pluralística é importante ensinar a ciência sem impôr nossas próprias crenças religiosas, incluindo a crença na ausência de Deus.

A educação científica é sobre o ensino do método científico e do pouco do conhecimento que a raça humana tem adquirido através da aplicação do método científico. Seria útil numa aula de ciências ensinar a distinção entre teorias que são científicas devido às suas previsões testáveis, e outras teorias que podem ser verdade, mas não são científicas porque não são. A comparação das fadas com os elétrons, ou a comparação da evolução com o design inteligente, deve ser uma boa oportunidade para ensinar uma melhor ciência.

 

Fonte: http://www.eecs.umich.edu/~kuipers/opinions/electrons-vs-fairies.htm

O poder do efeito placebo

“Efeito Placebo: quando algo sem valor terapêutico conhecido pode fazer com que pessoas se sintam melhor”.

Vídeo interessante que demonstra como o efeito placebo age nas pessoas. Mais interessante ainda é quão forte é seu efeito.

Eis a explicação dos efeitos da homeopatia, espiritismo, terapias herbais, e outras pseudociências. O problema é quanto você paga por esse efeito que, aliás, não cura.

Para as pessoas que se perguntaram onde achar as referências das pesquisas do vídeo, achei nos livros abaixo. Aliás, vale (muito) a pena lê-los, principalmente o “Trick or Treatment” do Sigh & Ernst.

E iniciamos a contagem regressiva para o Dossiê da Homeopatia

Referências

The Placebo Effect: Illness and interpersonal healing. Milner F.G.; Colloca L.; Kaptchuk T.J.  In Perspectives in Biology and Medicine, Vol: 52(4); 518-39, 2009. John Hopkins University Press.

The Placebo Response and Power of Unconcious Healing. Richard Kradin. Routledge Ed. 2008

Trick or Treatment? Alternative Medicine on Trial. Simon Sigh & Edzard Ernst. Bantam Press. 2008.

The Science of the Placebo. Harry Guess. BMJ Books. 2002.

Superstition: Belief in the Age of Science. Robert L Park. Princenton University Press, 2008.